quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Concepções dos Professores de Matemática e Processos de Formação

Por João Pedro da Ponte, Universidade de Lisboa

O interesse pelo estudo das concepções dos professores, tal como aliás pelo estudo das concepções de outros profissionais e de outros grupos humanos, baseia-se no pressuposto de que existe um substracto conceptual que joga um papel determinante no pensamento e na ação. Este substrato é de uma natureza diferente dos conceitos específicos – não diz respeito a objectos ou acções bem determinadas, mas antes constitui uma forma de os organizar, de ver o mundo, de pensar. Não se reduz aos aspectos mais imediatamente observáveis do comportamento e não se revela com facilidade – nem aos outros nem a nós mesmos. As concepções têm uma natureza essencialmente cognitiva. Atuam como uma espécie de filtro. Por um lado, são indispensáveis pois estruturam o sentido que damos às coisas. Por outro lado, actuam como elemento bloqueador em relação a novas realidades ou a certos problemas, limitando as nossas possibilidades de actuação e compreensão. As concepções formam-se num processo simultaneamente individual (como resultado da elaboração sobre a nossa experiência) e social (como resultado do confronto das nossas elaborações com as dos outros). Assim, as nossas concepções sobre a Matemática são influenciadas pelas experiências que nos habituámos a reconhecer como tal e também pelas representações sociais dominantes. A Matemática é um assunto acerca do qual é difícil não ter concepções. É uma ciência muito antiga, que faz parte do conjunto das matérias escolares desde há séculos, é ensinada com carácter obrigatório durante largos anos de escolaridade e tem sido chamada a um importante papel de selecção social. Possui, por tudo isso, uma imagem forte, suscitando medos e admirações. A Matemática é geralmente tida como uma disciplina extremamente difícil, que lida com objectos e teorias fortemente abstractas, mais ou menos incompreensíveis. Para alguns salienta-se o seu aspecto mecânico, inevitavelmente associado ao cálculo. É uma ciência usualmente vista como atraindo pessoas com o seu quê de especial. Em todos estes aspectos poderá existir uma parte de verdade, mas o facto é que em conjunto eles representam uma grosseira simplificação, cujos efeitos se projectam de forma intensa (e muito negativa) no processo de ensino-aprendizagem. Os professores de Matemática são os responsáveis pela organização das experiências de aprendizagem dos alunos. Estão, pois, num lugar chave para influenciar as suas concepções. Como veem eles próprios a Matemática e o modo como se aprende Matemática? Qual a relação entre as suas concepções e as dos seus alunos? Que sentido faz falar de concepções, distinguindo-as de outros elementos do conhecimento, como por exemplo, das crenças? Qual a relação entre as concepções e as práticas? Qual a dinâmica das concepções, ou seja, como é que estas se formam e como é que mudam? Qual o papel que nestas mudanças podem ter os processos de formação? O matemático, por cada momento de criatividade tem muitos momentos de trabalho rotineiro e de árduo estudo. Além disso, trabalha com ideias sofisticadas e tem ao seu alcance formidáveis recursos que derivam do seu conhecimento de domínios mais ou menos vastos e de uma grande experiência anterior. Não é possível transpor estas condições para um aluno colocado perante uma tarefa necessariamente elementar e dispondo de recursos forçosamente limitados. Finalmente, quando se evoca esta metáfora, nem sempre se sublinha o grande esforço que os matemáticos fazem para a compreensão dos conceitos e resultados já existentes e a sua grande capacidade de concentração e de resistência à frustração, elementos indispensáveis à sua sobrevivência profissional. Gostaria de propor uma nova metáfora. Trata-se da metáfora do engenheiro. Ou seja, da pessoa que colocada perante uma situação concreta procura lançar a mão dos diferentes métodos e abordagens ao seu alcance, eventualmente modificando-os e combinando-os, de modo a construir uma solução satisfatória. Comparar a Matemática dos matemáticos com a dos engenheiros é certamente uma proposta arriscada. Os matemáticos valorizam de forma determinante o rigor e a consistência e não suportam os expedientes e o carácter por vezes mal justificado dos métodos a que é preciso recorrer se se quer encontrar soluções para problemas práticos. Dizer de alguém que a sua concepção de Matemática é a de um engenheiro tem sido um dos insultos mais cultivados pela elite dos professores — o que bem atesta o domínio absoluto que a Matemática Pura tem exercido sobre o campo do ensino. No entanto, hoje em dia, a tendência é cada vez mais para ver a Matemática como um todo, considerando artificiosa e limitativa a distinção entre Matemática Pura e Matemática Aplicada (NCR, 1989), uma vez que as mesmas teorias podem ser vistas como "puras" ou "aplicadas", dependendo apenas da óptica com que são encaradas. É cada vez mais reconhecida a importância da capacidade de lidar com as estruturas e regularidades matemáticas mas também da capacidade da as aplicar a situações exteriores à Matemática. Desta forma, poderá esperar-se alguma aceitação para esta metáfora, que valoriza a capacidade dos alunos formularem situações em termos matemáticos (matematização) e aplicarem conceitos já seus conhecidos à resolução de problemas concretos, incluindo naturalmente a construção de modelos matemáticos (modelação).

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