terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A Álgebra da Escola Básica

O que é a álgebra da escola básica? A álgebra da escola básica se relaciona à compreensão do significado das “letras” (comumente chamadas atualmente de variáveis) e das operações com elas, e consideramos que os alunos estão estudando álgebra quando encontram variáveis pela primeira vez. Porém, como o próprio conceito de variável é multifacetado, a redução da álgebra ao estudo das variáveis não responde à pergunta: “o que é a álgebra da escola básica”?
De fato, consideremos as seguintes equações, todas elas com a mesma forma (o produto de dois números é igual a um terceiro): 1) A = b. h 2) 40 = 50 x 3) sen x = cos x. tg x 4) 1 = n. (1/n) 5) y = kx Cada uma delas tem um caráter diferente. Comumente chamamos 1) de fórmula, 2) de equação, 3) de identidade, 4 de propriedade e 5) de expressão de uma função que traduz uma proporcionalidade direta e não é para ser resolvida. Esses diversos nomes refletem os diferentes usos dados à idéia de variável. Percebemos que as letras representam papéis diferentes em cada caso Em 1), A, b e h representam a área, a base e a altura de um retângulo ou paralelogramo e têm o caráter de uma coisa conhecida. Em 2), tendemos a pensar em x como uma incógnita. Em 3), x é o que denominamos o argumento de uma função. A equação 4), ao contrário das outras, generaliza um modelo aritmético (o produto de um número por seu inverso é 1), e n indica um exemplo do modelo. Em 5), x é mais uma vez o argumento de uma função, y o valor da função e k uma constante ou parâmetro, dependendo de como a letra é usada.
Concepção 1: a álgebra como aritmética generalizada
Nesta concepção, é natural pensar as variáveis como generalizadoras de modelos. Por exemplo, generaliza-se uma igualdade como 3 + 5 = 5 + 3, na qual a ordem das parcelas não altera a soma, escrevendo-se a + b = b + a. Outros exemplos são: 1) os números pares positivos, 2 = 2. 1, 4 = 2. 2, 6 = 2. 3, 8 = 2. 4, podem ser representados por 2. n, ou 2n, onde consideramos que n representa qualquer número inteiro positivo; 2) expressamos a proposição aritmética que diz que o produto de qualquer número por zero é zero escrevendo x. 0 = 0, para todo x (a letra x representa um número genérico qualquer, não assumindo o significado de incógnita nem de variável). Nessa concepção de álgebra como aritmética generalizada, as ações importantes para o estudante da escola básica são as de traduzir e generalizar.
Concepção 2: a álgebra como estudo de procedimentos para resolver certos tipos de problemas
Consideremos o seguinte problema: adicionando 3 ao quíntuplo de um certo número, a soma é 43. Achar o número. O problema é traduzido para a linguagem da álgebra da seguinte maneira: 5x + 3 = 43. Essa equação é o resultado da tradução da situação do problema para a linguagem algébrica, e ao fazer isso, trabalhamos segundo a Concepção 1. Na concepção de álgebra como estudo de procedimentos, temos que continuar o trabalho resolvendo a equação. Por exemplo, se somarmos – 3 a ambos os membros da equação, teremos:
5x + 3 + (-3) = 43 + (- 3). Simplificando, obtemos: 5x = 40, e encontramos x = 8. Assim, o “certo número” do problema é 8, e facilmente se testa esse resultado, calculando 5. 8 + 3 = 43. Ao resolver problemas desse tipo, muitos alunos têm dificuldade na passagem da aritmética para a álgebra. Enquanto a resolução aritmética (“de cabeça”) consiste em subtrair 3 de 43 e dividir o resultado por 5, a forma algébrica 5x + 3 envolve a multiplicação por 5 e a adição de 3, que são as operações inversas da subtração 43 – 3 e da divisão 40: 5. Isto é, para armar a equação, devemos raciocinar exatamente de maneira oposta à que empregaríamos para resolver o problema aritmeticamente. Nesta segunda concepção de álgebra, as variáveis são ou incógnitas ou constantes. Enquanto as instruções-chave no uso de uma variável como generalizadora de modelos são traduzir e generalizar, na concepção da álgebra como um estudo de procedimentos para resolver problemas, as instruções-chave são simplificar e resolver. O aluno, nessa concepção, precisa dominar não apenas a capacidade de equacionar os problemas (isto é, traduzi-los para a linguagem algébrica em equações), como também precisa ter habilidades em manejar matematicamente essas equações até obter a solução. A letra aparece não como algo que varia, mas como uma incógnita, isto é, um valor a ser encontrado.
Concepção 3: a álgebra como estudo de relações entre grandezas
Quando escrevemos a fórmula da área de um retângulo, A = b. h, estamos expressando uma relação entre três grandezas. Não se tem a sensação de se estar lidando com uma incógnita, pois não estamos resolvendo nada. Fórmulas como essa transmitem uma sensação diferente de generalizações como 1 = n. (1/n), mesmo que se possa pensar numa fórmula como um tipo especial de generalização. Considerando que a concepção de álgebra como estudo de relações entre grandezas pode começar com fórmulas, a distinção crucial entre esta concepção e a anterior é que, nela, as variáveis realmente variam. Que há uma diferença fundamental entre estas duas concepções fica evidente pela resposta que os alunos geralmente dão à seguinte pergunta: o que ocorre com o valor de 1/x quando x se torna cada vez maior? A questão parece simples, mas é suficiente para confundir os alunos. Não pedimos o valor de x, portanto x não é uma incógnita. Também não estamos pedindo ao aluno que traduza. Há um modelo a ser generalizado, mas não se trata de um modelo que se pareça com a aritmética (não teria sentido perguntar o que aconteceria com o valor de ½ quando 2 se torna cada vez maior). Trata-se de um modelo fundamentalmente algébrico. Dentro desta terceira concepção, a álgebra se ocupa de modelos e leis funcionais que descrevem ou representam as relações entre duas ou mais grandezas variáveis. Uma variável é um argumento (isto é, representa os valores do domínio de uma função) ou um parâmetro (isto é, um número do qual dependem outros números). O fato de variáveis e argumentos diferirem de variáveis e incógnitas se evidencia na questão: achar a equação da reta que passa pelo ponto (6, 2) e tem inclinação 11. Uma forma habitual de resolver esse problema combina todas as utilizações das variáveis apresentadas até aqui. Costuma-se começar a partir do fato conhecido de que os pontos de uma reta estão relacionados por uma equação do tipo y = mx + b. Temos aqui tanto um modelo entre variáveis como uma fórmula. Embora, para o professor, x e y sejam encarados como variáveis e m represente um parâmetro (quando m varia, obtemos todas as retas do plano não-verticais), para o aluno pode não ficar claro se o argumento é m, x ou b. Pode parecer que todas as letras sejam incógnitas (particularmente x e y, letras consagradas pela tradição para representar incógnitas). Vejamos a resolução. Como conhecemos m (representa a inclinação da reta), substituímos essa letra pelo seu valor, obtendo y = 11x + b. Vemos, então, que, no caso específico do problema, m é uma constante, não um parâmetro. Agora precisamos achar b, de modo que b não é um parâmetro, e sim uma incógnita. Como achar b? Usamos um par entre os muitos pares de valores associados x e y. Isto é, escolhemos um valor do argumento x para o qual conhecemos o valor associado de y. Podemos fazer isso em y = mx + b porque essa relação descreve um modelo geral entre números. Com a substituição, 2 = 11. 6 + b, e, portanto, o valor de b é – 64. Mas não achamos x e y, embora tenhamos dado valores para eles, porque não eram incógnitas. Achamos apenas a incógnita b e substituímos seu valor na equação modelo, obtendo finalmente a resposta do problema: y = 11x – 64. Concepção 4: a álgebra como estudo das estruturas No curso superior de Matemática, o estudo de álgebra envolve estruturas como grupos, anéis, domínios de integridade, corpos e espaços vetoriais. Isso parece ter pouca semelhança com a álgebra da escola básica, embora sejam essas estruturas que fundamentam a resolução de equações nesse nível de ensino. Contudo, podemos reconhecer a álgebra como estudo das estruturas na escola básica pelas propriedades que atribuímos às operações com números reais e polinômios. Consideremos os seguintes problemas: 1) determine (a + x) (b – 1); 2) fatorar a expressão ax + ay – bx – xy. A concepção de variável, nesses dois exemplos, não coincide com nenhuma daquelas discutidas anteriormente. Não se trata de nenhuma função ou relação, ou seja, a variável não é um argumento, como na concepção 3. Não há qualquer equação a ser resolvida, de modo que a variável não atua como uma incógnita, como na concepção 2. Do mesmo modo, não estamos dentro da concepção 1, já que não há qualquer modelo aritmético a ser generalizado. Olhemos para as respostas dos problemas: 1) ab – a + bx – x; 2) (a - b) (x + y). Nos dois problemas, as variáveis são tratadas como sinais no papel, sem qualquer referência numérica. O que caracteriza a variável na concepção da álgebra como estudo de estruturas é o fato de ser pouco mais do que um símbolo arbitrário. Observe-se que as atividades conhecidas como de cálculo algébrico, que são muito freqüentes no currículo usual da escola básica (produtos notáveis, fatoração, operações com monômios e polinômios) situam-se no âmbito da concepção 4.
Texto adaptado de USISKIN, Zalman. Concepções sobre a álgebra da escola média e utilizações das variáveis. In: COXFORD, Arthur F.; SHULTE, Alberto P.(Org). As idéias da álgebra. São Paulo: Atual, 1995.

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